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Quando o sol brilha sobre a economia global, é hora de consertar o telhado

Em seu ótimo artigo, hoje no FT, Martin Wolf nos lembra que o mundo ainda não superou as dificuldades econômicas de 2007-12. Fala sobre dívidas e investimento, sobre países desenvolvidos e em desenvolvimento… e nos leva de volta a uma frase clássica do Kennedy: “The time to repair the roof is when the sun is shining”.
Hoje saí do padrão e não criei meu texto diário. Não resisti a produzir uma versão em português de Wolf, sempre excelente colunista do FT. O artigo original está aqui.

O sol está brilhando sobre a economia global

Martin Wolf, Financial Times

 

A economia mundial está vivendo uma recuperação. Mas será insustentável se o investimento não voltar, especialmente nas economias ricas. A montanha de dívida também ameaça a recuperação, como disse a OECD em seu último relatório econômico. Ou seja: o alívio é legítimo, mas não admite complacência.

A OECD prevê que o mundo cresça 3,6% este ano. Acima dos 3,1% de 2016, e seguindo para 3,7% em 2018. Ou seja, voltando à media de 1990-2007. Entre os sete grandes, só o Reino Unido deve crescer menos agora – sim, tiveram um ótimo 2016. China e Índia estão dando o ritmo global. A OECD monitora 45 economias, que geram 80% do PIB global. E não projeta que qualquer uma delas contraia em 2017, 2018 ou 2019.

O crescimento é sustentável? No G7, investimento ainda é menor do que antes da crise financeira de 2007. Nos próximos anos, a produtividade do trabalho deve seguir melhorando, mas ainda estará bem abaixo da média 1995-2007. E o endividamento continua a ameaçar a recuperação.

Desde a crise, a dívida corporativa até se estabilizou em relação ao PIB em alguns países ricos, mas continua a crescer em outros, como a França. Enfim, a dívida corporativa cresceu mais do que o estoque de capital nos EUA e na zona do euro. Parte da nova dívida veio porque muitas empresas recompraram ações, para preservar seu valor. Afinal, quase sempre a dívida cria vantagens fiscais, e o bom preço das ações costuma ajudar os salários de executivos. E a dívida das famílias segue alta em muitas economias ricas, incluindo os EUA e o Reino Unido.

Nas economias emergentes, ao menos as famílias não são tão endividadas. Mas as empresas acumularam muita dívida, especialmente em moeda estrangeira. Na China, a relação entre dívidas corporativas e PIB ficou maior que em quase todas as economias desenvolvidas. Não surpreende que, nos últimos anos, caiu muito o valor dos títulos das empresas, em todos os países: de alta renda e emergentes.

Que riscos esse endividamento cria? Ora, há muito capital preso em empresas zumbis. E mais importante: o crédito excessivo tende a diminuir o crescimento e aumentar a desigualdade. O risco mais imediato é que os juros mais altos tornem a dívida não gerenciável. Isso pode gerar mais crises. Não novas: apenas o ressurgimento da turbulência que atingiu EUA e Europa, entre 2007 e 2012.

O que reduz esse risco é a troca de empréstimos bancários por títulos de empresas. Já é limitada a capacidade de intermediários muito alavancados, como os bancos, de lidar com perdas. Uma redução no papel dessas instituições deve tornar mais resistentes essas economias mais alavancadas. Mas a exposição dos bancos continua alta, especialmente em relação a imóveis sobrevalorizados.

Bem, maior dependência de títulos cria seus próprios riscos. O mercado emergente está exposto a risco cambial. Além disso, se muitas empresas falirem, seus bancos também serão afetados. Perdas em títulos podem criar fugas de fundos de títulos, e travar o financiamento, incluindo os rollovers. Enfim, a transição de empréstimos bancários para títulos também tem riscos em economias muito endividadas.

O que faria os juros subirem? Uma boa razão seria um PIB mais forte, que ajudasse empresas e famílias endividadas. Uma má razão seria um aumento da inflação. Se bancos centrais precisarem apertar a política monetária, alguns devedores podem sofrer, como no início dos anos 80. Ou seja: uma resposta à inflação crescente pode levar a falências e uma desaceleração inesperada. E bancos centrais podem ter pouco espaço para responder: dívidas altas sempre tornam a política monetária mais difícil.

A recuperação global deve alimentar esforços para desalavancar países. É crítico fechar o tratamento favorável de dívidas. Muitos países vinculam impostos ao estoque de dívidas, e criam endividamento excessivo. Mais emissão de títulos tornaria os bancos menos frágeis. E os emergentes devem fugir de empréstimos em moeda estrangeira.

Além disso, é preciso aumentar o investimento público e privado. É importante investir em habitação, evitando booms como o da Espanha antes da crise. Importante que o crescimento venha de investimento sustentável. O investimento público tem o papel de melhorar a infraestrutura e o progresso científico e tecnológico.

Baixo investimento e alto endividamento não são os únicos desafios mundiais. Também há riscos políticos, e ameaças ao comércio. Mas aumentar o investimento e reduzir a dívida são prioridades. Como o presidente John F Kennedy disse em 1962,“a hora de reparar o telhado é quando o sol está brilhando”. É essencial cortar a dívida privada improdutiva, que nos foi legada pela crise, e tem consequências. A transformação não acontecerá de um dia para o outro. Mas esta é a hora de eliminar incentivos para comportamento de risco.

 

*Texto publicado originalmente no site http://guilhermedanobrega.com.br/ em 05/12/2017.

 

Guilherme de Nobrega é Especialista em Economia e será palestrante no X Fórum Nacional de Gestão Financeira de Instituições de Ensino. Inscreva-se já!

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