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ARTIGOS

Gestão de Pessoas

Ética

Dia desses, a escola na qual minha filha já não estuda mais propôs, inocentemente, inserção de câmeras de vigilância na parte interna da sala de aula. A justificativa - simples como a ideia - era a chance de moralizar aquele ambiente, impedindo que a alunada desvairada irrompesse no mais absoluto caos, com a bênção da tecnologia mais avançada. Neste sentido, a existência da câmera, presença da vigilância ininterrupta, era entendida como a melhor maneira de guiar os comportamentos para que fossem adequados. A câmera ali era a materialização da moral. Uma moral que confiava na observação para garantir a melhor conduta.

A premissa dessa tentativa de moralização da sala de aula é também muito simples: quando somos observados agimos melhor. Agimos certo. Na pior das hipóteses, agimos como é esperado que façamos, mas nada tem a ver com ética.

 

Surpreso com a constatação? Vamos melhorar a sua situação e explicar o que queremos dizer.

 

Precisamos entender o que exatamente nos faz éticos. Há algo em nós que não existe no resto da natureza e este algo, esta característica única, é aquilo que nos permite viver para além da nossa natureza, dos nossos instintos. Esse algo a mais é justamente a capacidade de pensar. Até mesmo nas histórias mitológicas isto aparece de maneira proeminente.

 

No mito da criação do homem, Prometeu e Epimeteu são responsáveis por tirar de nós todas as habilidades típicas de um bom animal, aquelas habilidades que poderiam fazer de nós seres temíveis por natureza. Estou falando de garras, tamanho, velocidade, couraça, força e toda potência natural que efetivamente nos faltam de maneira flagrante.

 

Neste caso, quando a falta se faz tão dramaticamente presente, resta ao ser humano substituir seu déficit natural. Nós fazemos isso de uma maneira muito peculiar. Através da razão. Na ausência de uma habilidade, a invenção de uma ferramenta que nos sirva para o mesmo propósito. Na falta de força, alavanca, na falta de velocidade, a Roda, na falta de encouraçamento, a armadura, na falta de proteção térmica, a fogueira.

 

Você percebe então que, pela pura falta de capacidade, nos desenvolvemos. Transformamos a tragédia natural em vitória racional. Se a natureza não nos deu o nosso modo próprio de viver, nós mesmos o criamos, e esta característica única é nomeada pela filosofia de ‘moral’. A moral é, portanto, a capacidade do ser humano de dar sentido à sua vida através do uso da razão.

 

Pois muito bem, considerando esta nossa condição, é imprescindível entender que não existe vida humana sem que reflexão sobre como ela deva ser. Esta reflexão pode ser mais ou menos erudita, mais ou menos assertiva, mais ou menos consciente, mas ela é inevitável. Só temos uma natureza, que é moral, ao menos quando são respeitadas as suas condições mínimas de existência. Parecem simples, mas fazem parte daquela simplicidade que é mais difícil de atingir do que o seu contrário. Isto porque a reflexão moral excelente exige em primeiro lugar a capacidade de pensar, e em segundo lugar a liberdade de escolher, a partir disso, a melhor forma de existir, atividade que a filosofia denomina ‘Ética’.

 

Assim, cabe à sociedade garantir que haja em cada um de nós capacidade raciocinativa suficiente para pensar, ao mesmo tempo em que exista liberdade de pensamento e de ação para moralizar a vida. Precisamos das condições ideais para descobrirmos o individual e o coletivo coletivamente. Quais são os melhores caminhos de construção de vivências e convivências. Por isso, toda educação é pela moral. Ensinar é uma questão de escolha. Escolha daquilo que é mais pertinente, mais importante, mais fundamental para que uma nova geração de seres humanos transforme o mundo depois de nós. A única coisa que a educação não tem o direito de escolher é o amor pela razão e pela moral. O amor pela liberdade de pensar e ponderar caminhos e valores, que concernam às próprias condutas e a organização da vida compartilhada. Portanto a escola que tolhe a liberdade através do Medo da Vigilância impede de maneira significativa o desenvolvimento moral de seus alunos. Substituem ética por performance.  Afinal, como já nos lembra Platão dois milênios e pouco atrás, nossa verdadeira ética é aquilo que fazemos mesmo que ninguém esteja olhando.

 

Prof. Dr. Clóvis de Barros Filho é um dos conferencistas mais requisitados do Brasil, autor de diversos livros e será palestrante no GEduc 2018 - XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO EDUCACIONAL.

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