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Comunicação na era digital

É público e notório que os Colégios têm enormes responsabilidades no exercício de suas atividades, que vão desde a reparação dos danos causados aos consumidores (de acordo com o Código de Defesa do Consumidor); responsabilidade, independente da culpa in vigilando, pelos atos praticados pelos terceiros (determinada no Código Civil); obrigatoriedade em velar pela dignidade da criança e do adolescente pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (conforme descrito no Estatuto da Criança e do Adolescente); e, recentemente, o dever de assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática conforme determina a Lei que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Lei nº 13.185/2015) que define o que é Bullying, reconhece a existência do Cyberbullying, classifica as condutas, constitui os objetivos do Programa e, em seu art. 5°, define as responsabilidades dos agentes.

Entretanto, para que essas premissas sejam aplicadas com efetividade, de maneira a agregar valor, é indispensável repensar o movimento que envolve as divergências e construir novos alicerces baseados em uma cultura de expressão capaz de resolver conflitos através da prática de escuta empática (como propõe, por exemplo, o método da Comunicação Não-Violenta).

O acolhimento, a discussão de temas sensíveis e os trabalhos sistemáticos para combater a comunicação ineficaz e a má utilização de meios digitais, promovem a criação de um ecossistema sinérgico onde alunos, pais e professores tornam-se protagonistas no desenvolvimento de mecanismos e competências para solução coletiva e compartilhada de incidentes que poderiam conduzir individual ou coletivamente à extrema desconexão.

As recentes notícias trágicas nas instituições de ensino, como os casos relatados de depressão (que em última instância culminaram em uma série de casos de suicídios), tendo como prováveis causas a dificuldade de comunicação; as práticas de bullying; a baixa tolerância à frustração; entre outras, têm discutido em ampla escala a importância de uma comunicação mais eficiente entre os sujeitos dessa comunidade.

Qual o papel dos Colégios nesse cenário?

Como preparar educadores para que as ações que já estão sendo feitas, mas em momentos pontuais, passem não apenas a alertar sobre temas sensíveis ao desenvolvimento socioemocional dos alunos, mas também a promover continuamente ações que integrem e empoderem a família desse estudante?  

Diante disso, torna-se indispensável que todos os atores sejam capacitados para essas novas competências relacionais, tanto para sua expressão presencial como virtual. Destaca-se a importância de se ter um treinamento sistemático e pluriagentes para que sejam encontradas novas respostas.

Esse retorno vai além da satisfação de pais e alunos ou de gestores educacionais, contribui para uma real transformação no modo com que a comunicação vem sendo praticada na esfera educacional, e promove uma gradativa disruptura no sistema de relacionamento hierárquico e setorizado onde, por vezes, cada ente busca solucionar suas dificuldades sem contextualizar a ocorrência, o que enseja a não satisfação do objetivo almejado e ainda provoca incidentes em cadeia que resultam em judicialização dessas questões. Exemplo típico são as discussões sobre temas sensíveis em grupos fechados de mensagens instantâneas entre pais, alunos ou professores (WhatsApp, Telegram etc).

O termo comunicação é derivado do latim comunicatio, de cummunicare (tornar comum). É uma atividade inerente à natureza humana que implica a interação comum através de mensagens com significados para troca informacional, que podem ocorrer por diversas maneiras.

Desde a liberação da internet para acesso ao público civil na década de 80, no Brasil na década de 90 (a internet foi desenvolvida nos Estados Unidos, em ambiente acadêmico, com financiamento militar e vinculada diretamente ao Departamento de Defesa Americano em plena Guerra Fria – 1958), os meios de comunicação passaram a proporcionar maior rapidez, melhor acesso à informação e ao conhecimento, ampliação das possibilidades de entretenimento e criação do comércio eletrônico. Nesse contexto surgiram as redes sociais, que trouxeram a possibilidade de uma maior interação social, imediata exposição de pessoas e conteúdos e um desenfreado fluxo de propagandas comerciais. Tal agilidade permite que o acesso à informação alcance um imensurável público e acabe tornando as publicações na internet algo irreversível. Isso porque, ainda que se apague determinado conteúdo, este pode ter sido previamente compartilhado ou guardado por terceiros, o que torna, por muitas vezes, ineficazes as ações para a retirada de postagens. É aí que ingressa a atual discussão sobre o Direito ao Esquecimento.

A comunicação influi diretamente no comportamento, na organização e no desenvolvimento dos sistemas sociais. Percebe-se que atualmente grande parte da sociedade compartilha informações sem a necessária atenção quanto à veracidade (fake news), às circunstâncias, o respeito e a legalidade, geralmente, ocasionando danos irreparáveis do ponto de vista socioemocional. Nessa conjuntura, a comunicação precisa ser tratada de forma ampla e multidisciplinar para que construa empatia entre os agentes comunicadores e resulte em um maior pertencimento social.

Nota-se, ainda, que a busca por engajamento é outro aspecto que induz exposição excessiva na internet, disseminação de notícias e perfis falsos, fraudes, invasões de dispositivos informáticos, discriminação, discurso de ódio, cyberbullying, sexting, entre tantos outros descompassos legais e éticos praticados no meio virtual que visam à mera aprovação por meio de likes.

Conclui-se, portanto, que apesar da tecnologia ter trazido muitas facilidades na comunicação, se negligenciada em seu uso, desagrega, distancia, promove o sentimento de exclusão, inclusive, entre pessoas do mesmo círculo físico e afetivo.    

 

Esclarece a psicóloga, especialista em processo de luto por suicídio, Karina Okajima Fukumitsu - em artigo do jornal O Estado de São Paulo de 24/04/18 -, que “O suicídio é uma ato de comunicação. A pessoa comunica em morte o que ela não consegue comunicar em vida” http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,suicidio-de-estudantes-causa-comocao-nas-redes-sociais-e-reflexoes-em-escolas,70002281261.

Ocorre que a sociedade passa por momento de grande transformação e complexidade quanto às demandas de informações, de ações, de estímulos, de oportunidades, mostrando estar no topo do ambiente VUCA (volatility, uncertainty, complexity, ambiguity) – termo usado para definir a dificuldade que a comunidade global enfrenta para transitar no universo atual e futuro, permeado por volatilidade – que representa a natureza, velocidade, volume e magnitude das mudanças; pela incerteza - diante da falta de previsibilidade em assuntos e acontecimentos; complexidade – reflete as inúmeras causas de difícil compreensão envolvidas em um problema; e por fim, a presença da ambiguidade - traduzida como a falta de clareza sobre o significado de um acontecimento, os “quem”, “o quê”, “onde”, “como” e “porquê” escondidos atrás de situações difíceis de se determinar.

Diversas ações são possíveis de serem definidas através de projetos estruturados, inclusive podem ser aplicadas simultânea ou complementar, como por exemplo, estabelecer fóruns interativos que discutam temas sensíveis, propor palestras e oficinas de estudos de casos reais e atuais, convidar para a prática de mindfulness (técnica que proporciona perceber e atuar no momento presente com isenção de julgamento), formar grupos de mediação instruídos para aplicar a Comunicação Não-Violenta, entre outras iniciativas que engajem a comunidade educacional ao objetivo de construir pontes para uma comunicação mais eficaz.

Ao construir ações que preparem alunos, suas famílias e o corpo docente para um diálogo mais sinérgico e responsável, os Colégios proporcionarão um fortalecimento no vínculo entre esses sujeitos, o que possibilitará o eficiente cumprimento do seu principal papel social.

As mudanças de paradigma colocam as Instituições no topo da cadeia de inovação. Em tempos de uma sociedade conectada em que os avanços tecnológicos são diários, percebe-se, mais do que nunca, que a boa comunicação é uma ferramenta que pode antecipar necessidades, prevenir ocorrências e solucionar conflitos.

 

Janne Kaunert e Hegle Zalewska são especialistas em Direito Digital e Propriedade Intelectual. Atuam nas Comissões de Direito Digital e Compliance e Direito Antibullying da OAB, e serão palestrantes no Fórum de Captação e Permanência de Alunos – 5ª edição. Inscreva-se!

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