ARTIGOS
Gestão Educacional
Famílias e Educação da Transexualidade! Desafios do século XXI
“Não sou homem, sou mulher. Para eles, sou um ser extra terrestre, um zumbi! Ajudem minha família! Eu desisto! O mundo não me aceita, eles não me aceitam, eu não me aceito!”
Anônimo, 22 anos, 2010.
Como desconstruir a transfobia na nossa educação sócio familiar?
Malheus Maleficarius foi um dos mais importantes livros da idade média, publicado em 1489 e serviu de guia para a Inquisição, sobre uma menina, em Roma, transformada, por obra do demônio, em menino. (Vieira e Paiva, 2009). O fenômeno da transexualidade tem diversos aspectos míticos e históricos; desde a mitologia grega, na deusa Vênus Castina, por exemplo, que falava de almas femininas presas em corpos de homens. Os deuses tinham o poder de trocar de sexo. O filósofo judeu da Alexandria, Philo escreveu sobre homens que artificialmente mudavam sua natureza de homem para mulher, alguns deles, inclusive, amputando seus órgãos sexuais.
No século XVI falava-se do rei Henrique III que, em janeiro de 1577, apresentou-se aos deputados com um vestido decotado e usando um grande colar de pérolas. A senhora francesa Jenny Savalette de Lange, que morreu em Versailles em 1858, foi descoberta como morta com corpo de homem, apesar de ter uma certidão de nascimento que a declarava mulher.
Os antecedentes históricos científicos relatam que em 1912 foi realizada a primeira intervenção cirúrgica e hormonal de adequação de sexo, com Magnus Herschfild. Em 1978, o cirurgião Roberto Farina foi condenado a dois anos de prisão por ter feito cirurgias e tratamentos hormonais em pessoas transexuais. E, em 2008, no Brasil, o ministério de Saúde, pela portaria nº 457, regularizou a cirurgia e tratamento para a saúde de pessoas transexuais, pelo Sistema Único de Saúde. Em 2005, a famosa atriz conhecida como Roberta Close, após cirurgia de adequação de sexo, obteve em mudança de nome. Infelizmente, o tema ainda é tabu em nossa cultura social e familiar.
Como lidaram as famílias dessas pessoas com esses fenômenos?
Em 2016, na faculdade de Medicina da USP, no programa de Psiquiatria, o doutor Gian Carlo Spizzirri brilhantemente mostrou o sofrimento da incongruência entre um corpo e o gênero desejado, mostrando por morfometria cerebral e imagens cerebrais como são distintas essas regiões em pessoas com sexo biológico masculino, em mulheres transexuais.
Assim, apesar dos estudos sobre gênero desde as guerras mundiais, à conquista de direitos públicos da falocracia, até uma visão sistêmica da diversidade sexual de produções culturais e heteronormativas, ainda em pleno século XXI, há dificuldades e preconceitos variados no que se refere a gênero de nascimento e identidade de gênero, entre outros.
Famílias têm estado sem apoio para enfrentar estas questões.
A diferenciação sexual central ocorre durante a gestação do ser humano, em uma etapa posterior em relação ao desenvolvimento da genitália.
Apesar destes dados científicos, ainda assim, há dificuldades na legitimação da dor do ser humano transexual e testemunhamos a pobreza da visibilidade sobre a diversidade sexual humana. A ciência avança, mas os mitos permanecem, justificando, muitas vezes, atitudes violentas com relação aos protagonistas deste problema sócio histórico: os transexuais.
Como estão suas famílias? Que suporte e orientações recebem? E a cultura escolar, como lida com estes eventos?
Estudos de traumas, na Psicotraumatologia, mostram-nos como a capacidade do ser humano para enfrentar a diversidade e desenvolver-se com resiliência depende da complexa interinfluência entre fatores psíquicos, morais, éticos, espirituais, comportamentais e sociais, (Freire, 2016). A comunidade educacional tem responsabilidade na interpretação da transexualidade e nos mecanismos de apoio legal da ciência médica e psicológica, entre outras.
A família e a educação social constituem-se em pilares de resiliência de pessoas que sofrem e clamam por ajuda, em suas experiências e vivências transexuais.
E como esse ser humano constituirá sua família nuclear? Com quais legitimidades? E suas famílias extensas, como os apoiarão? E a escola?
Vários filmes e livros mostram a dor da ignorância a que famílias e parceiros amorosos de pessoas transexuais são submetidos em diversas culturas deste nosso viver humano.
Qual o papel da educação no desenvolvimento da saúde familiar e individual do transexual? Como construir, no processo de cidadania, estas compreensões humanas?
Fundamental é a importância do papel da experiência intersubjetiva que a educação pode favorecer, na possibilidade da legitimação da alteridade do ser humano transexual e de suas famílias. (Zampieri, 2016).
Este é apenas um de nossos desafios como educadores e profissionais de saúde: pedagogias terapêuticas e terapêuticas pedagógicas, capazes de transformações que legitimam a família do ser humano transexual. Urge a conscientização educacional.
Referências Bibliográficas
FREIRE, C.(2016) – Inmunidade psíquica: una capacidad inherente al individuo que emerge de um sistema organizado para afrontar lo disruptivo. Tese de doutorado em Psicologia USAL: Buenos Aires.
SPIZZIRRI, G. (2016). Morfometria cental e imagens de tensores da microestrutura de substâncias branca em homens para mulheres transexuais antes e durante o processo transexualizado. Tese de doutorado e Psiquiatria. Faculdade de Medicina da USP: São Paulo.
VIEIRA, T. R.; PAIVA, L.A.S (2009) Identidade sexual e transexualidade. Editora: Rocca. São Paulo.
ZAMPIERI, A.M.F. (2016). Los aportes de lo Disruptivo al EMDR em personas damnificadas. Tese de doutorado em Psicologia. USAL: Buenos Aires
Profª Ana Maria Fonseca Zampieri, Ph D é consultora da Associação Saúde da Família e Elton John Aids Foundation e será palestrante no GEduc 15 anos durante o XV Congresso Brasileiro de Gestão Educacional.